
Um dia recebi uma mensagem da Lisa pedindo perdão a mim e a todos da família da Cláudia, iniciava assim: “Sinto muito, Adriana, do fundo do meu coração eu sinto muito”. Li, reli, pensei e percebi sinceridade em suas palavras. Mesmo quando ela escrevia suas convicções na página eu já notava a força de suas palavras, claro, não gostava, porque sabia que quem lesse seria conduzido por idéias equivocadas. Ali havia uma pessoa com a capacidade de convencimento e condução. E, reconheço, que me impressionei, mas tinha raiva das suas palavras, me chocavam, porque apesar de serem convictas, falavam de uma realidade inexistente. De minha parte a Lisa está perdoada e esse espaço também será seu, para que a Cláudia também possa falar!
FINALIZANDO OS ESCLARECIMENTOS… – por Lisa Siqueira
Acredito que esta última parte seja uma das mais importantes.
Conforme o tempo foi passando neste meu “envolvimento” com o desaparecimento da Cláudia eu passei por vários estágios. Quando vi a notícia na TV, imediatamente, de acordo com as informações recebidas, formulei uma teoria. Depois, curti a página Desaparecida Cláudia Hartleben e fui me aprofundando (ou afundando) em outras teorias. Assim como muitas pessoas por lá, eu não entendia e não aceitava o silêncio da família e dos amigos mais próximos. Meu
Deus! Foi um ser humano que desapareceu! Como podem esperar passivamente a volta dela ou uma resposta para esse sumiço? Como podem não se unir às mais de 16 mil pessoas que acompanham esse caso com tanta expectativa e angústia? Eu queria respostas! Eu queria ver o Pedro esmurrando o ar e bradando contra tudo e contra todos. Eu queria ver a Adriana “mexendo os pauzinhos” e descobrindo quem de fato levou a Cláudia. Eu queria que a polícia fosse mais ágil,
que o promotor fosse mais enérgico, que todos se mobilizassem e passassem plantados na frente do prédio do MP, dia e noite, com cartazes e palavras de ordem. Eu queria… Ah! Como eu queria tantas coisas das quais não tinha conhecimento… E, por não ter o conhecimento, por não saber como tudo estava realmente acontecendo, por não estar junto a eles quando receberam orientações da promotoria, explicações da polícia, por não conhecêlos pessoalmente, não saber de suas
particularidades, de seus sentimentos, eu fui me impregnando de “achismos” e do alto da minha arrogância, também achei que sabia mais do que eles, que estavam ali, vivendo aquela realidade cruel. Historicamente, as mobilizações populares têm contribuído para mudanças positivas em muitos aspectos sociais, culturais e até criminais. Vejamos, como exemplo, o caso do menino Bernardo, onde a comunidade e suas manifestações, até a criação de páginas no FB, foram determinantes
para a prisão dos culpados e, possivelmente, para suas condenações. Mas, nesse caso, a situação era outra. Haviam provas contundentes contra os partícipes, estava tudo muito claro, cheio de pistas e as digitais dos criminosos estavam por toda parte. Em poucos dias a polícia chegou ao corpo da criança e às pessoas que a mataram e ou mandaram matar. Quanto à Cláudia, o que sabemos? Ela passou o dia todo da quintafeira, 9 de abril, trabalhando na Ufpel; depois foi visitar
enfermos; depois foi jantar na casa de uma amiga; voltou para sua casa e no meio do caminho deu um telefonema rápido para o marido que estava viajando; chegou em casa, onde o filho estava dormindo; trocou de roupa, tomou um café, fumou um ou dois cigarros, botou cortinas na máquina e desapareceu. Dias depois, ficamos sabendo, ainda, que teria sido vista na companhia de um rapaz, numa estrada no interior de Canguçu; que as imagens de câmeras de monitoramento
estavam sendo analisadas; que materiais haviam sido encaminhados para a perícia; que pessoas foram convidadas a fazer o teste do polígrafo; que a polícia estava tomando depoimentos e fazendo diligências. Depois, silêncio, sigilo. Mais nenhum detalhe foi noticiado, não podia ser, por determinação judicial. E neste ponto deveríamos ter parado, em solidariedade a uma mãe sem a filha, a um marido sem a esposa, a um filho sem a mãe, a uma amigairmã sem a sua amigairmã, a
uma família toda e uma gama de amigos, colegas e alunos sem chão, perplexos, chocados, perdidos e com medo. Especulações, suposições, desconfianças, deveríamos ter guardado para nós, comentado apenas com nossos amigos mais íntimos, com nossas famílias, porque é normal do ser humano ser curioso, falador, imaginativo, mas, não podemos tomar como normalidade o ato acusatório, sem provas, que magoa, que fere profundamente quem já está sofrendo além das suas
possibilidades. Ironicamente, faltou humanidade àqueles que clamam por justiça. Ironicamente, porque a justiça não pode ser desvinculada da humanidade, uma não existe fora da outra. Eu não estou culpando a ninguém. Eu culpo a mim mesma, porque tive a opção de escolha, de reflexão, de bom senso. Eu me dei um direito que não tinha e agora uso do dever que tenho para me desculpar e para cumprir com minha obrigação com a Cláudia. É por ela que hoje estou aqui, neste blog, e não na página Desaparecida Cláudia Hartleben, porque se eu tivesse a oportunidade de dizer todas estas coisas lá, eu diria. Não espero piedade nem compreensão, especialmente daqueles que ainda estão tão contaminados pela maldade que não conseguem ver o óbvio. Eu espero encontrar a paz. Eu devo desculpas ao Pedro e à Eliza por ter induzido muitas pessoas a acreditarem que eles seriam os culpados pelo desaparecimento da Cláudia. Eu devo desculpas à Adriana, por ter sido
debochada e ter duvidado do seu empenho e interesse em encontrar sua irmã de coração. Eu devo desculpas à Cristina Garcia, prima da Cláudia, por ter colocado tanto ódio nas minhas palavras quando discuti com ela na página. Eu devo desculpas aos colegas e alunos da Cláudia, por ter afirmado que eles já a teriam esquecido. Eu devo desculpas a todos os amigos da Cláudia e de seus familiares, por ter dito que eles não a amavam mais. Eu devo desculpas ao MP e à polícia, por ter inferido saber mais do que eles – eu, uma estudante de História, que apesar de estar no último semestre do curso, não serei habilitada como autoridade policial. Eu devo desculpas aos tantos inocentes, pessoas de boa fé, que acompanharam, curtiram e comentaram meus textos na página Desaparecida Cláudia Hartleben. Eu devo desculpas, principalmente, à Cláudia, porque pensei saber mais de sua vida e suas relações do que ela e os que a cercavam. Devo-lhe esculpas, Cláudia, e um eterno agradecimento: obrigada, porque apesar dos meus erros, ainda te preocupaste em me avisar a tempo que eu estava fazendo tudo errado. Obrigada, querida, pelo ser humano magnífico que és, uma pessoa de muita luz, uma educadora abnegada, que mesmo vítima dessa tragédia, continua a ensinar com amor. Feliz de quem, como eu, conseguir aprender.