Há muitos dias não escrevo, faltou energia, Pelotas consome qualquer resquício dela. Minha mãe está doente tem anos, precisa ser lembrada de quase tudo que os seus 90 anos deixaram ao longo do tempo, o que resta de suas memórias é aquilo que marcou, seja bom ou ruim. O desaparecimento da Cláudia marcou profundamente, sempre me pergunta por ela e pela D. Zila, foi visitá-la, mas agora falta coragem para enfrentar essa mãe tão sofrida pela falta da filha. Para a D. Zila é uma dor aguda, que jamais poderia imaginar sofrer aos 80 anos, tivera um casamento amoroso, S. Arlindo era um companheiro excepcional, o seu eterno namorado, a vida foi muito dura depois de sua morte. Em mim a dor é crônica, não posso sequer comparar a dor de uma mãe, mas conforme os quilômetros de Porto Alegre a Pelotas diminuem, o peito aperta, quando chego parece que o ar é difícil de ser respirado. Com o passar dos dias fica tão rarefeito que sair da cidade passa ser uma prioridade. Voltei angustiada, triste, na véspera do Natal, mas que Natal?! Entreguei qualquer possibilidade de festejos para Deus, ele sabe como me sinto, para ele confesso todos os meus dissabores. Foi uma viagem triste, onde mágoas afloraram e feriram, num mundo que deixou de ser cristão há muito tempo. Os motivos para voltar a Pelotas cada dia tornam-se menores, os que amo lá estão indo embora, nem sempre seguindo o curso natural da vida. Os lugares hoje me trazem melancolia. No pátio onde meus filhos brincaram hoje tem uma orquídea florida, a sua beleza traz embutida uma enorme dor, a dor da ausência.
Mês: dezembro 2015
Significado
Nada pode ser mais atual do que a última frase que te mandei no messenger do Facebook: Por onde você anda comadre? Tenho um monte de coisa para falar e te atualizar, rsrsrs, beijos . Nunca recebi a resposta… Mais uma vez retorno a Pelotas e levo na bagagem tristeza, melancolia, nostalgia e uma tentativa de um consolo inútil, porque por mais que eu queira consolar os que te querem bem, assim como eu não consigo ser consolada, sei também não poderei consolar, apenas ser solidária e levar o meu abraço. Posso passar o dia adjetivando tudo o que já senti nesses últimos oito meses, mas nada vai dar significado ao vazio da tua presença, a falta que fazes a todos que te amam. Ainda lembro da tua voz, isso por incrível que pareça me consola um pouco, tenho pavor de um dia esquecê-la. Então vamos para o Natal em que não teremos o teu abraço, em que a tua casa estará vazia, em que não haverá festa, apenas as orações que hoje são tão necessárias. Desculpa o meu entristecimento, mas um dos meus principais motivos em voltar se foi, o calor da tua casa não está mais lá, porque era a tua presença que a aquecia, hoje só há a falta, o oco, o vazio. Continuo sem coragem de entrar nela. Quero me lembrar apenas do quanto tu a preenchias, só disso. Porque esse era o grande significado, a vida que colocavas em tudo que tocavas, a intensidade com que amavas. Não sei como será, mas sei que ao voltar ainda sentirei saudades…
A bandeja que tu me destes
Há anos que tenho essa bandeja, pintastes para mim, é a que mais uso e desde o teu desaparecimento tenho medo de usar, tenho medo que acabe, não quero que termine. É assim que me sinto, a bandeja que tu me destes não era vidro, não se quebrou, mas tu sim, tu não estás aqui, não sei se vais voltar, tenho medo que nunca voltes, que tenham te levado para sempre. O amor que tu me tinhas era muito e está aqui e a tua lembrança também, é constante, como o meu amor por ti, minha amiga, minha irmã. Eu também não sei como fazer para que a bandeja não acabe, para que tu não acabes, para que tudo não vire fumaça, para que não te esqueçam. Agora D. Cláudia entre dentro dessa roda, diga um verso bem bonito, peça a Deus e vá embora… Mesmo que haja versos, que eles sejam bonitos, por favor, não vá embora, peço a Deus por ti, peço que onde estiveres, que estejas bem, que nada se perca, que a memória, ao menos ela, fique com todos nós. Amém!
Luto
Hoje é dia de choro, hoje é dia de recolhimento, de deixar as lágrimas correrem na quietude, de rezar no silêncio, de não falar nada, de pensar, pensar e de novo pensar. Nada vai te trazer de volta, nenhuma palavra vai te ajudar, nem a ti nem a ninguém. Todas as minhas orações são para a tua mãe, e minhas palavras também foram para ela, sempre serão só para ela, como um dia foram só pra ti. Beijos querida amiga!
D. Zila
Não há nenhuma outra palavra para dizer…
E nós estamos, sem pistas, sem vestígios, sem a Cláudia!
Tu
Algumas pessoas me perguntam sobre a Cláudia, sua rotina, porque passaram a conviver com ela no papel, no computador, nas redes sociais, pela triste historia do seu desaparecimento, mas não a conhecem pessoalmente, não sabem se o que está escrito sobre ela é a realidade. Posso apenas falar da minha relação com ela, sobre o que vivemos esses anos todos, mas isso é a minha realidade, só minha, mas acho que ela merece ser conhecida pelos olhos de quem a ama. Uma das mensagens que recebi sobre ela e selecionei para dar início a este texto foi esta: “tava pensando que as vezes tenho curiosidade da Claudia… é alguém do meu convívio há oito meses…creio que os teus leitores também tem… a gente é meio bisbilhoteiro na vida.. e sempre penso ela era vaidosa? ela era atenta aos amigos? porque ela acendia a lareira? e o que ela mais gostava de cozinhar? ainda vou fazer outras perguntas. A historia do desaparecimento da Cláudia tomou um tamanho que tudo que sai interessa muito para quem lê, as pessoas querem saber, querem conhecer a Claudia o máximo…”
Então, um dos pratos que ela mais gosta é strogonoff
Fazia seguido, cortava umas batatas rosa na hora e fritava para comer junto. Cada vez que voltava de uma viagem tentava fazer um prato de que tinha gostado por onde esteve… No inverno ama sopa de ervilhas com salsicha ou linguiça. Ama quando chegava o inverno para acender a lareira, senta num branquinho na frente e diz, tão bom um foguinho. Ama o trabalho, se realizou nos laboratórios, começou na área de saúde, quando fez um estágio na secretaria da saúde. Lá ela dava injeção, vacinas… Ficou atenta com cuidados essenciais de prevenção a doenças, principalmente, quanto a higienização das mãos, chegava a ser enjoada, mandando todo mundo que chegava da rua, lavar as mãos. “Antes de ir ao banheiro lava a mão pra não pegar uma infecção”. Quando chega do super lava as embalagens, “quanta gente já pegou isso, imagina o tanto de doenças que tem aqui.”. Quando gosta de alguém, ai de quem se mete com a pessoa, vira bicho, mas não é melosa, nem pegajosa, como eu, é alemoa, rsrsrsrrsrsrs, portanto, sem maiores demonstrações de afeto em público, é dura na queda. Mas quem aprende a gostar dela como ela é, quem realmente gosta dela, é pra sempre, porque ela te conquista por ser tão verdadeira e franca, tu aprendes que o jeito dela ser é por te querer bem, não tem meias palavras, mas por ti vai até a última consequência… e isso não tem preço. Não preciso de perguntas para escrever sobre a Cláudia, é só lembrar das coisas que vivemos juntas, mas posso falar e mostrar quem ela realmente era, pois eu a amo!
Hart Leben
Lembrei de uma longa conversa que tivemos sobre nomes, no dia me dissestes que Hartleben era vida dura, nunca um sobrenome fez tanto sentido no momento. És cheia de vida, alegre, positiva, determinada, olhas o horizonte e enxergas um sonho, imediatamente pensas no caminho para chegar lá. Poucas vezes conheci alguém tão visionária de como iria concretizar a sua vida. Tu superastes todos os obstáculos que a vida te apresentou um a um. Enquanto seguias em frente duas pessoas estiveram sempre presentes dando o suporte necessário, teus pais. S. Arlindo, que pai maravilhoso, um doce de pessoa, amoroso, completamente dedicado a família, apaixonado pela mulher e pelos filhos, com a D. Zila formavam um casal invejável, para ela tu eras uma princesa, lembro até hoje do teu quarto decorado por ela. Passou dias, horas e mais horas na máquina de costura para fazer as cortinas e a colcha em tons de branco e rosa, simples e lindo. Eles foram a tua âncora e teu porto seguro. A Cláudia podia ter a vida dura, como uma Hartleben, mas na família dos pais sempre encontrou a paz e o sossego merecido. Esse antagonismo entre a tua pessoa alegre e a tua vida dura te seguiu até os teus quarenta anos. A morte do teu pai te doeu tanto, mas te deu coragem. Finalmente a vida te deu trégua, pudestes mirar o horizonte com fé e seguir em frente. Acho que baixastes a guarda, não contavas com o teu inaceitável desaparecimento, não podíamos prever o inesperado aparecer, no teu caso, desaparecer. Cada um de nós tenta viver sem ter notícias tuas, mas o que mais me dói é ver a tua mãe, já tão abalada pela falta do S. Arlindo, seu eterno namorado, perdida, não sabendo como viver sem ti, é avassalador. Outro dia conversando com ela de repente ela me perguntou se o fato de não ter notícias era bom, porque ao menos, ela não perdia a esperança. Não sei mais o que responder…
Dezembro
Dezembro chegou e cada dia mais sentimos a tua falta. Estaríamos nos preparando para as festas do final do ano, principalmente o Natal. Ano passado estávamos conversando para combinar a minha ida até Pelotas, depois iríamos para São José do Norte, eu iria curtir o barco com vocês, me contavas por telefone, entusiasmada, sobre a escolha do novo nome, o atual ficaria com o antigo dono, enfim, estavas feliz. Minha ida acabou não acontecendo, mas minha filha e neta foram e puderam curtir contigo alguns desses momentos, só nos veríamos em março. Aqui estou eu a escrever sobre isso e me dói saber que não teremos este Natal porque alguma desgraçada criatura resolveu sumir contigo, nem consigo ser cristã nessa hora. Penso em quais pratos estarias pensando em servir, não sei porque me ocorre a torta de pão de ló com atum, como gostávamos disso. As pessoas acham esse gosto exótico e é, mas fomos criadas assim, comendo salgados e coisas adocicadas junto, temperamos alface e beterraba com suco de laranja, tu mais do que eu, colocamos banana em tudo, eu muito mais que tu, rsrsrsrsrsrs, comemos pão com manteiga e chimia. Nossas comidas de final de ano também são assim doce e salgadas, e como nos divertimos fazendo. Esse ano não, não haverá riso, só tristeza porque suprimiram a tua presença da nossa. Vou a Pelotas na véspera do Natal, o coração aperta mais uma vez, cada data aperta mais um pouquinho. Será um Natal de orações, por ti!
Cláudia
Ontem uma amiga me perguntou se eu iria parar de escrever sobre a Cláudia, minha resposta automática foi, nunca, a Cláudia faz parte da minha vida. É exatamente isso, ela está sempre nos meus pensamentos, converso, troco idéia, penso se ela ía ou não gostar de alguma coisa, minha amiga está sempre comigo, independente de estar aqui fisicamente, ela mora nos meus pensamentos e no meu coração. Por isso resolvi dividir os espaços, esse é meu e dela, o http://cozinhandoadrianafetter.wordpress.com será para as comidas da vida, as idéias que quero dividir com quem gosta de cozinhar. A Cláudia continua comigo para toda a vida!
Levo o Seu Coração Comigo
e. e. cummings
eu levo o seu coração
comigo (eu o levo no meu coração)
eu nunca estou sem ele (a qualquer lugar que eu vá, meu bem, e o que que quer que seja feito por mim somente é o que você faria, minha querida)
tenho medo
que a minha sina
(pois você é a minha sina, minha doçura)
eu não quero nenhum mundo
(pois bonita você é meu mundo, minha verdade)
e é você que é o que quer que seja
o que a lua signifique
e você é qualquer coisa que um sol vai sempre cantar
aqui está o mais profundo segredo que ninguém sabe
(aqui é a raiz da raiz e o botão do botão
e o céu do céu de uma árvore chamada vida, que cresce
mais alto do que a alma possa esperar ou a mente possa esconder)
e isso é a maravilha que está mantendo as estrelas distantes
eu levo o seu coração (eu o levo no meu coração)
- (Tradução: Regina Werneck)