Uma carta 

Procurando a minha carteira de vacinação encontrei uma carta tua, de uma época que não tínhamos as redes sociais, dentro algumas fotos. Me dizias que estavas emocionada ao me escrever, com lágrimas nos olhos, porque seria a tua primeira carta desde que eu havia mudado para Brasília, tinha muita saudade ali no texto, como sentimos essa separação, todos nós, eu e as crianças também, elas corriam todos os finais de semana pelo teu pátio, enquanto nós sentávamos na grama para tomar chimarrão e tagarelar. A tia Cláudia foi enfermeira, amiga, mentora, exemplo… Fez dois anos que só falo contigo por aqui, um triste monólogo, ainda tem momentos que simplesmente a ficha não cai. A carta falava de um outro tempo, ainda tinhas uma inocência para com a vida, cheia de sonhos, plena de amor. Só queria te dizer que sinto muito a tua falta, essa carta trouxe muitas lembranças boas, de um tempo que nunca mais voltará.

#2anossemaCláudia 

As magias de nossos Jardins

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Lembro da casa em que nasci e de toda a magia que ela sempre incutiu em mim com seus cheiros e cores. A casa em si era cinza, de cimento penteado, com janelas verdes escuras, tinha um lindo jardim e um pátio de sonhos, cheio de magias, aquelas que as mentes das crianças, ainda intocadas pelo mundo, tem. Na frente havia uma escada de mármore branco, margeado por outro azul, lindo, para mim os degraus eram bancos reconfortantes depois de correr em volta da casa. O muro tinha desenhos e recortes, era a montanha russa dos meus pés, caminhar sobre ele era uma aventura, cheia de desafios, quanto mais rápido melhor. O jardim tinha flores de diferentes cores e aromas, na frente, bem no centro, as amarelas fortes, quase um laranja, cabos bem fininhos e altos que desafiavam a gravidade, depois as papoulas vermelhas, de pétalas tão finas e sedosas, me lembravam asas de borboletas. A grama era entre cortada por pedras de granito, os quadrados irregulares, faziam os caminhos a serem percorridos. De um lado sempre bateu mais sol, porque a casa pendia para a direita, não foi centralizada propositadamente, para se fazer a estradinha de granito cortado até o final, onde ficava a garagem. No muro alto que ladeava havia um roseiral, rosas grandes, rosa claro, saiam de troncos retorcidos, ali tinham uma convivência harmoniosa com as orquídeas, em sua maioria chuva de ouro e  com a hera que recobria o cimento, deixando o cinza verde. Do outro lado, na parede mais solar, havia um canteiro cavado no solo, cujas laterais possuíam pequenas corredeiras de cimento, que escoavam as chuvas no terreno inclinado, o meu pequeno rio, onde foram depositados muitos barquinhos de papel. Flores diversas, de muitas cores, tamanhos e variedades faziam a minha festa, margaridas, bocas -de-leão, onze horas, lembro de uma, especialmente, cuja a seiva depositada nas pétalas era de uma doçura ímpar, intercalava o sabor com as azedinhas, muito mais tarde alguém me falou que era tóxica, não me fez mal algum… Ao fundo espadas de São Jorge e de Santa Bárbara ornavam as multicoloridas flores.  Do outro lado,  que deveria ser o sombrio, moravam as hortênsias, azuis, rosas e brancas, sentia ao passar o perfume que vinha do solo, cheiro de umidade e terra preta, profundo, ainda consigo lembrar de cada um dos aromas desse jardim, ficaram impregnados na minha memória. No pátio, ao fundo, eu tinha a minha floresta particular, formada por abacateiros, limoeiros, árvores de uva japonesa, pitangueira, bergamoteiras, nêspera doces, árvore onde eu subia para ver a floresta de cima, todas frutíferas e podia ver a parreira de uvas, onde fazia o piquenique imaginário. Havia uma escada de cimento nos fundos, alta, mais inclinada que a da frente, e outra igual entre as hortênsias.  Subir e descer era uma aventura. Mais ainda a das hortênsias cuja porta estava sempre fechada por segurança, mas para mim isso tinha todo um mistério. Embaixo de cada escada havia uma porta que levavam às cavernas, isso no meu imaginário infantil. A da frente só era aberta vez em quando, para guardar as ferramentas do jardim, soube muito tempo mais tarde. A de trás levava ao tanque e a sala de lenha, tanto para a lareira no inverno, quanto para o fogão de ferro da cozinha. Na  lateral a porta levava para um salão onde minha tia dava aulas de francês,  o porão, onde eu moraria após a morte do meu pai. Vivi muitas aventuras em meu jardim, criei muitas outras imaginárias, a cada estação ele mudava, sempre havia flor brotando, frutas amadurecendo, cheiros novos no ar. Talvez ele nem fosse tão grande como eu imaginava, mas era grandioso, efervescente, vibrante e possibilitou que o meu imaginário infantil viajasse por mundos desconhecidos, me deu asas, sonhos, viagens mil. Até hoje consigo me refugiar nele, quando preciso de calma e concentração é para lá que viajo. Essas lembranças sempre me conectam contigo, também tinhas um jardim cheio de flores, um pátio cheio de aventuras, que rica vida foi ali vivida. Quantos sonhos não podes mais viver…